segunda-feira, 17 de agosto de 2009


“Entre todas as atividades,
o amor é a única que não mudou de serviço:
o seu culto é o mesmo que foi no princípio do mundo,
ainda lhe dedicam os mesmos votos,
ainda se lhe fazem os mesmos sacrifícios,
ainda se lhe oferecem as mesmas vítimas (...)”.

Cavaleiro de Oliveira
(Portugal 1700)

NAVIO NEGREIRO


Navio Negreiro
(Trecho do Poema )

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!


Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!


Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...

Castro Alves

COMO ULISSES TE BUSCO E DESESPERO



Como Ulisses te busco e desespero

Como Ulisses te busco e desespero
como Ulisses confio e desconfio
e como para o mar se vai um rio
para ti vou. Só não me canta Homero.

Mas como Ulisses passo mil perigos
escuto a sereia e a custo me sustenho
e embora tenha tudo nada tenho
que em te não tendo tudo são castigos.

Só não me canta Homero. Mas como Ulisses
vou com meu canto como um barco
ouvindo o teu chamar -- Pátria Sereia
Penélope que não te rendes -- tu

que esperas a tecer um tempo ideia
que de novo o teu povo empunhe o arco
como Ulisses por ti nesta Odisseia.

Manuel Alegre

Ninguém , com toda certeza,
é capaz de assumir a liderança em todos os campos,
pois para um homem os deuses concederam as proezas da guerra,
a outro, a dança, para um outro, a música e o canto, e,
num outro,
o todo poderoso Zeus colocou uma boa cabeça.

Homero

A ira tenaz, que lutuosa aos gregos,
Verdes no Orco lançou mil fortes almas,
Corpos de heróis a cães e a abutres pasto.
Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem
O de homens chefe e o Myrmidon divino."

Homero
o poeta cego

AMAR E SER AMADO


Amar e ser amado

Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento:
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano —,
Beijar teus dedos em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante — amado —
Como um anjo feliz... que pensamento!?

Castro Alves

sexta-feira, 31 de julho de 2009


Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.

Rumi

LENDO A ILÍADA


Lendo a Ilíada

Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.

Arde Tróia... De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.

Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:

- Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heróico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.

Olavo Bilac

SEMPRE ELA



Sempre ela

Eu amo a doce virgem pensativa,
Em cujo rosto a palidez se pinta,
Como nos céus a matutina estrela!
A dor lhe há desbotado a cor das faces,
E o sorriso que lhe roça os lábios
Murcha ledo sorrir nos lábios doutrem.

Tem um timbre de voz que n'alma ecoa,
Tem expressões d'angélica doçura,
E a mente do que as ouve, se perfuma
De amor profundo e de piedade santa,
E exala eflúvios dum odor suave
De aloés, de mirra ou de mais grato incenso.

Gonçalves Dias

Amor! enlevo d'alma, arroubo, encanto
Desta existência mísera, onde existes?
Fino sentir ou mágico transporte,
(O quer que seja que nos leva a extremos,
Aos quais não basta a natureza humana;)
Simpática atração d'almas sinceras
Que unidas pelo amor, no amor se apuram,
Por quem suspiro, serás nome apenas?

Gonçalves Dias


Existo; e ela de mim jaz esquecida!
Esquecida talvez de amor tamanho,
Derramando talvez noutros ouvidos
Frases doces de amor, que dos seus lábios
Tantas vezes ouvi, — que tantas vezes
Em êxtase divino aos céus me alçaram,
— Que dando à terra ingrata o que era terra
Minha alma além das nuvens transportaram.
Existo! como outrora, no meu peito
Férvido o coração pular sentindo,
Todo o fogo da vida derramando
Em queixas mulheris, em moles versos.
E ela!... ela talvez nos braços doutrem
Com sua vida alimenta uma outra vida,

Gonçalves Dias.

domingo, 19 de julho de 2009



Amor! delírio — engano... Sobre a terra
Amor também fruí; a vida inteira
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre.
Amei! — dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,
— Minha alma que na taça da ventura
Vida breve d'amor sorveu gostosa.
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata
Oásis, paraíso, éden ou templo
Habitamos uma hora; e logo o tempo
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto,
Doce encanto que o amor nos fabricara.

Gonçalves Dias

LEITO DE FOLHAS VERDES


Leito de folhas verdes

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.

Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.

Gonçalves Dias

Quando descansareis, olhos cansados
Quando do raro esforço que mostravas
Quando os olhos emprego no passado
Quantas penas, Amor, quantos cuidados
Quanto tempo, olhos meus, com tal lamento
Quão bem-aventurado me achara
Quão cedo te roubou a Morte dura
Que doudo pensamento é o que sigo?
Que esperais, esperança? Desespero
Que estila a Árvore sacra? – Um licor santo
Que fiz, Amor, que tão mal me tratas?
Quem busca no amor contentamento

Luiz Vaz de Camões

Para se namorar do que criou
Passo por meus trabalhos tão isento
Pede o desejo, Dama, que vos veja
Pelos extremos raros que mostrou
Pensamentos, que agora novamente
Pois meus olhos não cansam de chorar
Por cima destas águas, forte e firme
Por sua Ninfa, Céfalo deixava
Porque a tamanhas penas se oferece
Porque quereis, Senhora, que ofereça
Posto me tem fortuna em tal estado
Presença bela, angélica figura
Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes

Luiz Vaz de Camões

Um caso singular
mas sempre verdadeiro:
se poiso em ti o olhar
-abranjo o mundo inteiro ! ...

Porém, ó fado torvo e prepotente,
porém, ó sorte perra e negredada,
se tu não vens, e passa toda a gente,
Cego de repente
- Já não vejo nada! ...

Trad:Augusto Gil

(Guerreira do Amor de Meleagro (Sec.II-I a.c.)

sexta-feira, 17 de julho de 2009


Cá nesta Babilónia, donde mana
Cantando estava um dia bem seguro
Cara minha inimiga, em cuja mão
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
Com grandes esperanças já cantei
Com que voz chorarei meu triste fado
Com voz desordenada, sem sentido
Como fizeste, Pórcia, tal ferida?
Como podes, ó cego pecador
Como quando do mar tempestuoso
Contente vivi já, vendo-me isento
Conversação doméstica afeiçoa
Correm turvas as águas deste rio
Crecei, desejo meu, pois que a Ventura
Criou a Natureza damas belas

Luiz Vaz de Camões

Vejo as duas vidas que tu olhas; e
das duas não sei qual escolher. Tiro-te
do espelho; e à minha frente és
o reflexo que imagino, num pedaço
de realidade. Mas se tento tocar-te,
é o vidro que me impede de passar
para onde estás, e de onde me chamas,
num eco de desejo.

Nuno Júdice

Ser Poeta


Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

Alba em Memória de Sophia


Alba em memória de Sophia

é quando a luz safira e cor de rosa
a humedecer as nuvens, matinal,
alastra pelas praias, vagarosa,
e nas dunas rendilha o seu metal,

é quando algas e mar, corais, espuma
e sombras transparentes vêm na brisa,
é quando em nós a lira desarruma
a angústia e o silêncio e a imprecisa

densidade do tempo e se combina
do ouvido à alma na medida certa
uma geometria cristalina,
é quando um crespo deus pagão desperta

a dar o alento próprio à maresia
e canta ao encontrar-se com sophia.

Vasco Graça Moura